quarta-feira, 4 de julho de 2012

O Corinthians e a indiscutibilidade



Quando escolhe um clube, todo torcedor escolhe também uma visão da realidade.
Assim, essa ótica seleciona os fatos que são mais convenientes, de forma que o torcedor possa sempre achar argumentos para se gabar da conclusão que a paixão antecipa à razão: “Meu clube é melhor do que o seu”. Aos olhos do seu torcedor, até o Íbis é enorme.
Por isso, virar casaca é tão hediondo. Virar a casaca é abrir mão da realidade que pertence ao seu clube, é desistir de achar argumentos para a manter a paixão. Torcer não é caçar as glórias que faltam, mas sim polir as que se têm, mesmo nas vacas magras, na Série F ou nas goleadas.
Ainda assim, o único denominador comum capaz de comparar as diferentes visões das realidade entre os torcedores de diferentes clubes são os títulos – e ainda assim de forma tímida.
Quem conquistou o Mundial da Fifa desdenha do Mundial Toyota. Quem levantou a Libertadores da era moderna desdenha das campanhas dos anos 60, de poucas fases e poucos jogos. E o Brasileiro, começou antes ou partir de 1971? De fato, o futebol nasceu mais para ser discutido do que para ser jogado.
Mas hoje o Corinthians que decide a Libertadores vai atrás da indiscutibilidade.
Se ganhar, na bola ou nos pênaltis, terá sido campeão invicto, raramente vazado, com o plus de ter enfrentado o Boca Juniors numa final na Bombonera e não ter sido derrotado.
O título por si só já bastaria; o modo como vai ganhar, no entanto, determina que os rivais não terão mais o que dizer. Não que o que eles digam seja realmente importante. Mas é lindo poder distribuir silêncios – e até conseguir aplausos – para os rivais históricos.
Na última quarta, até os que secaram aplaudiram a atitude em campo: o Corinthians atuou na Bombonera como se disputasse uma partida do Estadual em Mogi: tranquilo, ciente de seus talentos, ignorante de que houvesse uma arquibancada. Se há uma mística atuante na Bombonera, o Corinthians não foi avisado.
Esse Corinthians de hoje é um time pelo qual muita gente gostaria de ver com outra camisa: maduro, determinado, aplicado. Parece que os 11 jogadores em campo (mais Romarinho) nasceram predestinados a dar ao Corinthians essa primeira Libertadores que centenas de outros jogadores não conseguiram, e que centenas de outros jogadores, por melhor que fossem, não conquistariam. Cássio, Paulinho, Danilo e Emerson são uma espinha dorsal de luxo, e Tite é o principal responsável pela imensa segurança que o time passa.
É um time que joga como um pai carinhoso e responsável, esforçando-se ao máximo para deixar que os torcedores, esses filhos, brinquem em paz, avesso às maldades do mundo, na indiscutibilidade da alegria mais sincera e espontânea que há décadas merecem. É uma relação cada vez mais rara hoje em dia e, por isso, bonita.
Aplaudir esse time já é uma questão de caráter. Boa sorte, Corinthians.

Fonte: http://globoesporte.globo.com/platb/marvio-dos-anjos/2012/07/04/o-corinthians-e-a-indiscutibilidade/